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Bomba-relógio
Jornalista: Drauzio Varella
A medicina de hoje custa os olhos da cara. Na contramão de outros ramos da atividade econômica,   na assistência médica a produção em escala e a incorporação   de novas tecnologias encarecem o produto final.
Até os anos  1960, os medicamentos eram relativamente baratos e dispúnhamos de poucos  recursos laboratoriais. Os exames de imagem ficavam praticamente  restritos ao eletrocardiograma e ao raio-X simples ou contrastado.
Nos  últimos 50 anos, surgiram exames que nos permitem analisar detalhes da  fisiopatologia humana e das características dos germes que nos atacam.  Ao mesmo tempo, a automatização e a informática possibilitaram acesso  aos resultados das análises de sangue e de outros líquidos corporais em  algumas horas.
Ultrassons, tomografias computadorizadas,  ressonâncias magnéticas, PET-CTs, cintilografias, endoscopias,  cateterismos e outras tecnologias que fornecem imagens anatômicas  nítidas e dão ideia do funcionamento dos órgãos internos revolucionaram  nossa capacidade de fazer diagnósticos e avaliar a eficácia dos  tratamentos.
No mesmo período, a indústria farmacêutica soube  aplicar os conhecimentos gerados na a  cademia para desenvolver drogas e agentes biológicos de toxicidade  baixa, capazes de curar infecções graves e controlar doenças crônicas  por muitos anos.
Ao lado desses avanços técnicos que tiveram  enorme impacto na qualidade de vida e longevidade da população estão os  custos exorbitantes trazidos por eles.
Os 150 milhões de  brasileiros que dependem exclusivamente do SUS convivem com a falta de  recursos e os problemas crônicos de gerenciamento do sistema público. Os  50 milhões que pagam planos de saúde queixam-se das mensalidades e dos  entraves burocráticos para marcar consultas, exames e internações.
A  pobreza do SUS todos conhecem. O que poucos sabem é que a saúde  suplementar trabalha com margens de lucro perigosas. Contabilizando os  planos mais lucrativos e os deficitários, as operadoras têm, em média,  2% a 3% de lucratividade.
No Brasil, a faixa da população que  mais cresce é a que está acima dos 60 anos -justamente a que demanda os  cuidados médicos   mais dispendiosos, que o sistema público não tem condições de suportar  e as operadoras não conseguem transferir para seus usuários sem  levá-los à inadimplência.
Não é necessário pós-graduação na  Getúlio Vargas para constatar que a persistirem os custos crescentes,  nosso sistema de saúde ficará inviável: o SUS em crise permanente por  falta de verbas; a saúde suplementar, pelo risco de falência.
Não  existe saída, senão deslocar o foco das políticas públicas da doença  para a prevenção. É insano esperar que as pessoas adoeçam para então nos  preocuparmos com elas.
Se 52% dos brasileiros estão com excesso  de peso, metade das mulheres e homens com mais de 50 anos sofre de  hipertensão, o diabetes se acha instalado em mais de 10% dos adultos e a  dependência do fumo corrói em silêncio o organismo de quase 20 milhões,  haveria alternativa?
A responsabilidade é de todos, inclusive dos médicos. Saem de nossos receituários as requisições de exames desn  ecessários, medicamentos caros e condutas que contradizem evidências científicas.
As  faculdades de medicina têm que ensinar noções de economia e de  gerenciamento. É um absurdo nababesco prescrevermos remédios e exames  sem ter ideia de quanto eles custam.
O sistema de saúde  brasileiro vai quebrar se não criarmos estímulos para que cada cidadão  assuma a responsabilidade de cuidar do próprio corpo, conscientizarmos  os médicos e a população de que exames desnecessários consomem recursos e  trazem riscos, exigirmos que hospitais e centros de atendimento  apresentem indicadores que permitam avaliar a qualidade e o  custo/benefício dos serviços prestados, negociarmos com a indústria os  preços abusivos de algumas drogas, próteses e equipamentos, e  estabelecermos critérios rígidos para impedir que a judicialização  errática de hoje se perpetue em benefício dos que podem contratar  advogados.
Uma população sedentária que fuma, engorda e envelhece é uma bomba-relógio par  a um sistema de saúde perdulário e subfinanciado como o nosso.
Jornalista: Drauzio Varella
